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ELEGIA 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo. Praticas laboriosamente os gestos universais, sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual. Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas, e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-  frio, a concepção À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas. Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras. Caminhas entre mortos e com eles conversas sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito. A literatura estragou tuas melhores horas de amor. Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear. Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota e adiar para o

estar com ele é estar assim

Na confusão que é ser jovem hoje, parei um pouco de me preocupar com o tempo que estou, afinal ele não me aflige (ainda). Ocupada em preocupar-me com o onde. Ainda bem que vivo com as coisas que tenho (em mim). Em uma dessas divagações; dessas que cansa as costas, dessas que a cabeça se pudesse ser televisionada estalaria a chiados. Mergulhada em minha metafísica, deixei ressonar ao fundo versos que aprendi de Fernando pessoa. Pensava e lembrava. Pensava e tentava encaixá-lo nos corredores vastos da minha falta de atenção ao cotidiano que me envolvia. Em um momento, talvez remexido em dores profundas, imaginei estar ao lado da tabacaria. Não a do poema. A minha, aqui da cidade; que tem mesas e cadeiras de madeira, que tem luvas de lã e pão de queijo. Que tem cigarro e lanterna. Que tem o espírito sofrido das brasilidades. Sentada à mesa me acompanhava o que sobrara de Fernando pessoa, o que eu imagino dele pelas palavras, e não o que as fotografias me mostravam. Às vezes quando olh

eu estou sozinho

Um texto que li na época das eleições de 2018, angústia e verdade: “Quiseram que eu me calasse, mas eu falo . Quiseram que eu dissesse amém, mas eu digo não. Quiseram que eu morresse, mas eu estou vivo. Vivo a minha vida dura. A vida que me foi dada, tive que ganhá-la. Ganhei. Estou vivo. Vi muitos companheiros que morreram do meu lado. Tenho as mãos ainda sujas de sangue dos companheiros que acariciei na hora da sua morte. Meus companheiros já não falam, mas eu falo, eles falam, se eu falo, eles falam. Tenho o rosto sujo de sangue dos companheiros que eu beijei na hora da sua morte. Escapei. Minhas mãos e meu rosto estão sujos de sangue, mas escapei, estou vivo. Nalguma parte eu existo. Quem sabe você não me vê. Você que me via, que cruzava comigo na rua, você que tomava café comigo no bar da esquina, você que reclamava ou até que podia gostar de mim, você não me vê. Mas eu escapei, eu existo, eu ainda falo, falo muito, prestando atenção ainda se escuta as coisas que eu digo, r